Carta cinco: Onde o sol se esconde
Pensamentos de uma imigrante com saudades de um verão de verdade
Para ler esta carta com a trilha sonora que eu imaginei, aperta o play aí embaixo:
Dessa vez, a música não traz nenhuma grande reflexão, é só que, sempre que penso nas estações, a voz da Sandy começa a ecoar na minha cabeça. É uma canção leve, assim como os pensamentos que trago hoje - recebi muitas mensagens dos meus destinatários dizendo que choraram ao ler minhas últimas cartas, então essa é uma carta feliz, apenas para atualizar vocês sobre a vida aqui fora.
Querida casa,
Já começo esta carta pedindo desculpas. Prometi escrever todas as segundas-feiras, mas falhei. E, para ser bem sincera, nem tenho uma excelente desculpa. O céu cinza tomou conta dos dias e, com ele, levou minha vontade de escrever e de tudo mais. Isso tem acontecido muito por aqui, e é sobre isso que quero falar hoje.
Antes de me mudar, ouvi tantas vezes que o clima afeta o nosso humor. Vi vários influencers - vários = Leon e Nilce - contando como o frio e os dias nublados pesam na rotina, como a falta de luz solar mexe com a disposição. Achei que era exagero. Agora entendo.
Em Campo Grande, o sol sempre esteve lá – inclusive, tinha um para cada um. No calor insuportável do meio-dia ou nas manhãs também quentes de inverno. Aqui, os dias cinzentos parecem não ter fim. A chuva fina, o vento gelado, o céu fechado... Tudo me convida a ficar dentro de casa, a me encolher, a esperar que o tempo passe. Sem minha família e amigos por perto, as motivações para sair se tornam quase nulas.
Mas então, o sol aparece. E, de repente, tudo muda. Hoje, por exemplo, o céu abriu. Uma simples terça-feira e, antes do café da manhã, eu já tinha passado aspirador, limpado o banheiro, lavado o fogão, batido os panos de prato – e até descobri como colocar para centrifugar (parece bobo, mas sou uma nova dona de casa, ok?). O sol me deu ânimo. E é doido como essas coisas mexem com a gente.
"Passa o inverno, chega o verão, o calor aquece minha emoção..."
Chegamos em Portugal no verão e estávamos animados para viver, pela primeira vez, em uma cidade praiana. Acontece que o verão daqui tem um extra: um vento gelado e uma água do mar tão fria que estar em uma cidade de praia nem foi um bônus – não consegui nem molhar os pés, eu, que sempre entrei no rio em Bonito. E a gente sabe o quanto aquela água é gelada.
Ainda assim, os dias eram longos, quase infinitos. O sol se punha perto das nove da noite, isso que amanhecia antes das sete. Isso nos dava ânimo para explorar a cidade, sair para caminhar sem pressa. Mas não durou muito...
"No outono é sempre igual, as folhas caem no quintal..."
O outono chegou e, com ele, um pequeno espetáculo. No exato dia em que a estação começou, vimos as folhas da árvore em frente à nossa janela caírem – e eu juro que não estou sendo exagerada, nós achamos até engraçado como as estações aqui são regradinhas. Era como se a natureza estivesse marcando o tempo, nos avisando: agora tudo muda.
E mudou. O verde se despediu, o ar ficou mais frio, o céu, mais cinza. Tivemos que comprar roupas novas, aprender sobre segundas peles, entender a importância de um bom casaco. No início, tudo era divertido - eu me sentia em um daqueles filmes adolescentes com folhagens laranjas e cachecóis - mas o que os filmes não mostram é como isso pesa nos protagonistas - uma vibe meio Bella em Lua Nova quando o Edward deixa ela. Assim ficamos sem o sol.
"A noite cai, o frio desce..."
E então veio o inverno, e com ele, a chuva fina e insistente. Aquela que não faz barulho, mas rouba a vontade de sair, de explorar, de estar no mundo. Os dias ficaram mais curtos, e o sol ia embora rápido demais. As saídas diminuíram. O ânimo também. Sempre ouvi falar de como o clima pode pesar no humor, mas só agora entendi de verdade.
Pela primeira vez, tive um Natal digno de filme: frio de verdade, ugly sweater, luzes piscando pela cidade. Montamos nossa primeira árvore, enchendo os pés dela com presentes que não seriam entregues por nossas mãos. Para aquecer o inverno, parte da família veio, e por um tempo, tudo pareceu mais leve. Saímos mais, viajamos, criamos novas memórias.
E uma dica para meus caros destinatários, evitem vir para a Europa no inverno. A diferença de temperatura, misturado com as chuvas e os passeios diários, pesam. Posso afirmar que a nossa família sentiu - chegou em um momento que o nosso tio não saia de casa porque estava mal, precisamos levar a minha priminha para o hospital e logo no dia seguinte eu fui parar no hospital… Apesar de tudo isso, a visita foi muito boa, para eles e, principalmente, para nós dois. Mas, assim que se despediram, o silêncio tomou conta, e o frio voltou a dominar. Junto com ele, a vontade de ficar em casa também.
"Na primavera, calmaria, tranquilidade..."
Agora, a primavera chegou.
Pela primeira vez desde que deixei Campo Grande, acordei com o canto de um passarinho – foi só uma vez, mas foi o bastante para me fazer feliz. Fechei os olhos, tentando reconhecer o som. E, por um segundo, me vi em casa. Me vi rodeada pelas manhãs ensolaradas do Mato Grosso do Sul, ouvindo dezenas de passarinhos anunciando o dia – que, confesso, me irritavam porque eu queria dormir mais. Agora, sinto falta.
Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá.
As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá...
Vi as árvores voltando a florir. Vi cores ressurgindo. E percebi que, mesmo longe, a natureza ainda fala comigo.
O clima não melhorou 100%, ainda há muitos dias de chuva. Mas, de tempos em tempos, o céu fica limpo e traz dias felizes. O tempo passa. As estações mudam. Eu também. Sei que nunca vou esquecer o calor de casa. Mas, aos poucos, vou aprendendo a encontrar primavera dentro de mim, mesmo nos dias frios.
Não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá; sem que desfrute os primores que não encontro por cá; sem qu'inda aviste as palmeiras, onde canta o sabiá.
Destino esta carta para o sol sul-mato-grossense.
Com saudade, Lanna.
Se você também já passou por esse processo ou se interessa por temas como identidade, migração e pertencimento, convido você a abrir essa caixa de correio comigo.
Quando fomos pra argentina no verão vi pela primeira vez o sol se por às 21 da noite. Nesse tempo eu estava trabalhando no Brasil, acordava perto das 5 da manhã pra começar a trabalhar, parava perto do almoço pra pegar o curso de espanhol e voltava a trabalhar às duas e ficava até às 19.
E quando saia de casa, parecia que eram 15 da tarde. Eu nunca me sentia cansado e todo dia tinha vontade de explorar a cidade. Naquele tempo vivemos o melhor que um verão de dias longos tem a oferecer, mas o outro lado da moeda é forte e duro. A felicidade é saber que o verão vem logo ali, e que outono e primavera trazem outras possibilidades